por Sergio Brandão
Helena toma banho de banheira e brinca todos os dias com suas embalagens vazias de shampoo. Tem uma amarela, rosa, verde, azul… umas cinco ou seis, todas vazias. Também duas bolas, uma vermelha e outra verde clara. A água, a banheira e aquele vozeirão ecoam no banheiro, às vezes pela casa, com o personagem da professora que Helena incorpora, dando bronca em todas as embalagens e bolas.
Cada um ganhou um nome. É a reprodução fiel da escola, da sala onde Nena estuda. Tem o Arthur Bugai, Arthur Dias, Artur Barroso, a Beatriz, Pietra, Cauã e cia.
Colegas à tarde, alunos à noite, não sabem, mal sabem que poucas horas depois, depois de deixar a vida real, já estão sob comando de nova professora na escolinha da brava professora Helena. Não tem aluno que consiga, numa segunda-feira de humor pouco amistoso, escapar de um castigo ou uma grande bronca da professora. Quando não dá conta do aluno, manda se entender com a superiora, Márcia Jones.
Hoje entrei no banheiro, mas antes já era possível ouvir lá de fora os brados retumbantes dirigidos a Arthur Bugai que teimava em bater na indefesa Beatriz, vivida por uma pobre embalagem de shampoo cor de rosa. Perguntei o que estava acontecendo. Professora Helena, já sem folego, terminava a advertência ao coitadinho do Arthur, uma velha embalagem de shampoo já bastante surrada pelo tempo- quase sem cor, talvez de tanta bronca que já levou nestes quase um ano frequentando a escolinha da professora Helena.
Como adultos não são admitidos nesta escolinha, professora Helena me respeitou respondendo rapidamente, mas mostrando o meu lugar nesta história revelando sua carinha de desprezo, e ainda áspera, rejeita meu auxílio no impasse com o aluno. Afinal, aquilo era um problema deles e não meu. Nada me dizia respeito, pelo menos era o que Helena me dizia com seu olhar reprovador.
Os espaços funcionam assim: os que estão dentro d’água são os coleguinhas que obedecem, os bonzinhos. Arthur Bugai, por exemplo, que teima em bater na Beatriz, vai para a borda da banheira. Bem à esquerda está o espaço onde a severa diretora Márcia Jones aguarda os ousados.
Assim segue por uma meia hora a vida destas pobres embalagens e bolas, vazias na sua concepção original, mas cheias de vida na cabecinha de Helena.
Até que a escolinha é interrompida. Sob forte marcação e principalmente negociação. Professora Helena só se submete a outra brava senhora, a coordenadora da banheira, dona Marta, sua mãe. Aquilo tira toda a autoridade da pequena professora diante de seus comandados, mas que também já aprendeu que a dona da banheira é quem manda em tudo. A tolerância é de meia hora para montar e desmontar a escolinha, com um banho rápido no meio.
A noite chega e com tanto trabalho assim, poucas horas depois, professora Helena repousa, descansa de seu dia de muito trabalho. Passar pela porta do quarto e vê-la dormindo, mais parece a pequena Nena, minha filhinha que ainda não completou 4 anos, longe de ser a brava professora.
Vivemos hoje o conflito da criação de muitos personagens entre fadas, princesas, rainhas e reis, com a professora Helena.