Meu voo é curto. Nasci desprovido de asas. Com o tempo eu as criei. De papel crepom. Num fim de tarde, voando por Teresópolis, fui abatido por uma tempestade – e o céu ficou tingido de lilás. O Dedo de Deus me fez olhar o céu. Antes eu só tinha beijado o firmamento montado nos raios disparados pela guitarra do Hendrix. Foi a salvação. Olhei então as casas sobre palafitas de todos os mangues. Estava sob a proteção das putas do início do século passado, embalado pela voz e som da sanfona do Gonzagão. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Foi então que percebi, seguindo as pegadas dos meus avós, que a luz da lamparina que me alumiou no meio da noite do agreste nordestino era o caminho. Quase sem pegadas, mas o caminho. Então fui, no dia-a-dia, no voo curto que me faz viver e sentir todo o encanto da criação. Eu a carrego – e agradeço.