Da janela da sala da minha casa dava para ver o prédio do grande cinema da vila, bem na direção de onde ficava a tela. Não é um filme – é verdade! Talvez daí tenha vindo o costume de sonhar acordado e fantasiar a realidade. E também a certeza de que o piso se abre e o nó na garganta aperta como nos enforcamentos dos bandidos no velho oeste. Qual o problema de aquele teto ser minúsculo, só ter mais um quarto e uma cozinha que cabia apenas o fogão de quatro bocas? Nenhum. O cinema estava ali ao lado daquela meia-água me esperando todos os domingos para a matinê. Muitos e muitos anos depois consegui por uma noite ter um canto no mundo só meu – e de meus demônios, naturalmente. Primeiro corri risco ao andar no início da rodovia em cima da faixa contínua. Ouvi ao longe os xingamentos dos motoristas que passavam com seus caminhões, ônibus e carros ao meu lado para eu curtir o vento. Saí quando deu e sabia que ao lado havia um cemitério. Não tinha calçada, apenas uma área larga com mato bem alto até chegar o muro que separava os vivos dos mortos, ou o contrário. Foi ali que deitei e dormi o sono dos perdidos. Foi ali que me senti em casa depois de toda uma vida. Até o dia amanhecer e eu voltar para o inferno.