por Fernando Muniz
Encara a mocinha de camiseta colorida, calça jeans e bloco de anotações na mão. “É como aquelas ondas grandes, que achamos que dá pra vencer, sabe? Dá pra pegar um jacaré e ir até o raso; só que o chão desaparece, a força do mar é gigante e, aí, danou-se”.
Fica um tanto inseguro com a resposta, em especial quanto ao jacaré. Decerto a moça nunca ouviu falar disso. Toma dois tragos de Corote, sente o álcool encharcar o cérebro, arregaça as mangas da camisa e estica as pernas sobre a escadaria da Matriz.
“Mas e a sua família? Eles não te ajudaram?” – ela quer organizar um pouco as anotações; faz umas setas e rabiscos, mas percebe que, se continuar, vai perdê-lo. Deixa o bloco de lado.
Ele tenta falar, mas se engasga. Procura a garrafa em meio a uns sacos de supermercado puídos; sente vergonha. Por que mesmo aceitou falar com ela? Não se lembra. Mas é hora de sair do buraco, isso sim. Aí surge a imagem da esposa e filhos subindo no táxi, tanto tempo atrás. As crianças choravam. Já devem estar grandes.
Ele respira fundo e nota uma Kombi estacionada ao pé da escadaria, pintada com as mesmas cores da camiseta dela. Bate um vazio no estômago. “Ó, acho que tá bom assim, né? Não vai dar pra mim, certo? Muita gente na fila que precisa de teto também. Eu sei que tem. Gente forte, a fim de trabalhar”.
“O senhor trabalha com o quê?” – ela escapa da cilada em que ele se entranhou. “Ah, dei aulas de inglês, trabalhei como chefe de cozinha…” – a melancolia o abate. “De uns tempos para cá, cuidei de cachorros. Mas o dinheiro era pouco, sabe? E a onda me levou de novo”. Olha para as mãos, encardidas.
“Mãos de quem peleja” – ela abre um sorriso; ele não esboça reação. Faz tempo que só conversa sobre xepa de cigarro, esmola e cachaça. “Olha só, eu e uns amigos, aqueles ali embaixo, conversando com os seus amigos, viemos convidar vocês para almoçar conosco. Num lugar que nós cuidamos” – mostra uma foto.
Ele espreme os olhos, espia a mocinha, a Kombi ao pé da escadaria e os companheiros, que começam a juntar seus trapos e xingar aquela rapaziada de camisetas iguais.
A porta do carro está aberta. Coça a cabeça, pega suas coisas e resolve entrar.