por Carlos Heitor Cony
Num dia qualquer de 1964, o poeta Manuel Bandeira passou de ônibus diante do prédio em que morava o ex-presidente Café Filho. Na realidade, era o vice de Vargas, que se suicidara na véspera. Alegando uma crise cardíaca, Café se internara num hospital e assim ficara livre de não participar daqueles dias tumultuados que levariam ao suicídio do presidente em exercício.
Tão logo correu a notícia da morte de Vargas, deram alta hospitalar ao vice para que ele assumisse a Presidência, mas os militares que haviam dado o golpe que instauraria a ditadura, consideravam Café Filho comprometido com a situação deposta.
Cercaram com tanques e tropas o prédio para impedir que Café saísse de casa e fosse ao Catete para tomar posse na Presidência da República. No dia seguinte, o poeta escreveu um artigo no “Jornal do Brasil” considerando obscena aquela manifestação de força contra um homem desarmado que, naquela hora, já era presidente do Brasil.
Lembrei esse episódio porque tive sensação igual, a da obscenidade da reforma ministerial promovida por Dona Dilma. Ficou escancarado o recurso obsceno usado pela presidente que enfrenta a possibilidade de um impeachment. Ela teve tempo para testar os ministros que nomeara ao tomar posse numa data anterior.
Para contentar os congressistas que poderiam cassá-la das funções presidenciais, ela organizou um grupo de auxiliares comprometidos com os partidos que a defenderão em plenário. Não foi uma medida tomada por um chefe de Estado e sim de uma oportunista que se agarra ao poder sem nenhum escrúpulo moral.
Pessoalmente, não vejo necessidade de um impeachment. Mas Dona Dilma de tal maneira se avacalhou, que não mais merece a função de presidir um país bichado pela obscenidade de um governo em falência.
*Publicado na Folha de S.Paulo