14:35Você acha que 7 bilhões de pessoas querendo ser felizes pode dar certo?

por Luiz Felipe Pondé

Na vida existem várias perguntas que não querem calar: “Dinheiro compra amor verdadeiro?”, “vale a pena ser honesto?”,”o povo, de fato, sabe o que fala?”. Enfim, muitas. Uma pergunta dessas é aquele tipo de pergunta que você reza para seu filho não lhe fazer. O normal é que você minta, mesmo: “Não, dinheiro não compra amor verdadeiro”, “sim, vale a pena ser honesto”, “sim, o povo sabe, de fato, o que fala”.

Não, não quero parecer cínico, pelo menos não hoje. Dessas três perguntas, apenas a última me parece ter uma resposta mais evidente, se sincera: “Não, não acho que o povo saiba, de fato, o que fala”. As outras são muitos mais sérias e complexas. Todavia, as respostas dadas acima, quando ditas assim, são mentiras. Às vezes, dinheiro parece comprar amor verdadeiro, e ser honesto nem sempre vale a pena. É normal mentir às vezes. O drama contemporâneo, parece-me, é que a mentira tomou conta do próprio pensamento dito qualificado. Todo mundo quer agradar, logo, só se fala o que parece legal para a sensibilidade infantil do “povo”.

Repito, caso você não tenha entendido: será que cabem 7 bilhões de pessoas no pacote da riqueza? Dá para todo mundo ter tudo que quer? Ou, desgraçadamente, muitos ficarão sempre de fora? Será que todo mundo pode ter saúde, comida, lazer, casa, ar-condicionado, dinheiro, roupa, escola, direitos, aposentadoria, garantia de emprego?Mas não quero falar dessas perguntas; quero falar de outra, tão infernal quanto essas. A pergunta que não quer calar de hoje é: “Será que dá para todo mundo ser feliz e ter o que quer?”. Sim, sei que é uma pergunta difícil de engolir. Inteligentinhos logo ficarão indignados com a simples questão posta assim. Mas inteligentinhos são infantis, quando não são eles mesmos os grandes mentirosos.

Sim. Talvez algumas dessas coisas, sim. Mas será que dá para todo mundo ter tudo que seremos capazes de produzir no futuro? Digo isso porque, à medida que produzimos mais riqueza, o teto da demanda aumenta. Não é por acaso que há anos podemos falar de gente que considera injustiça social todo mundo não ter iPhone ou bolsa Prada.

Não se pode pensar numa questão como essa sem um certo sofrimento. Mas, é justamente a dimensão sombria da vida que é recusada pela sensibilidade fortemente retardada da contemporaneidade. Nunca houve tanta gente incapaz de pensar a ambivalência, contingência e insuficiência da vida como hoje em dia.

Mas façamos um reparo. Sim, reconhecer que não vai dar para todo mundo ter o que quer pode sim ser usado por gente que quer tudo para sua turminha. Este fato é que dificulta a percepção de que nunca vai dar para todo mundo ter o que quer. Você acha que sete bilhões de pessoas querendo ser felizes pode dar certo? Claro que não. Uma hora a conta estoura. Este é o verdadeiro problema da sustentabilidade: a insustentabilidade do desejo de 7 bilhões de pessoas querendo ser felizes.

Mas podemos pensar em opções para tornar mais viável “incluir” todo mundo. Primeiro, a tentativa de diminuir o número de “excluídos”. Essa opção não é boa o suficiente porque sempre deixará um número grande de gente fora da festa. Sim, festa, porque o capitalismo é uma festa de riqueza que o mundo nunca viu antes, apesar de todo o “mimimi” generalizado sobre desigualdade social.

O “ideal” mesmo é se alguma instituição, sei lá, a ONU (essa estatal global) ou similar passasse a “distribuir” (termo amado pelos inteligentinhos) a riqueza. Como faríamos? Criaríamos uma burocracia infernal que controlaria a riqueza do mundo? Taxaríamos as grande fortunas (só ricos idiotas ficariam para ver isso acontecer). Quem decidiria quem recebe o que e quem perderia o que para que os “outros” recebessem o que?

Ou que tal reduzir por meio da força o número de pessoas no mundo? Esterilização compulsória de homens e mulheres? Quem decidiria quem seria esterilizado? Ou, mais fácil ainda, que tal determinar que o justo é todo mundo ser pobre?

Mas muita gente ainda vai ganhar muito dinheiro e poder dizendo que tem a solução para todo mundo ter tudo o que quer.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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