por Célio Heitor Guimarães
Luiz Antonio Solda é um sujeito genial. Para Jamil Snege, que o conhecia desde 1622, “quando ele vivia numa pequena aldeia da Normandia, se chamava então Geneviève e era uma encantadora moçoila de seus 18 anos, rosto afogueado, cujo caso com um oficial inimigo provocara um escândalo sem precedentes na história da província”, Solda “é um sujeito que muito promete”. Mesmo nesta mais recente encarnação, quando nasceu em Itararé, ali na divisa de São Paulo com o Paraná, em 1952, depois de haver sido – ainda segundo Jamil – índio sioux, vampiro na Transilvânia, aventureiro no Mississipi e italiano na Sardenha, onde era chamado Bertollucio e morreu no campo de batalha, praguejando, com uma flecha espetada no sub-solo.
Roberto Prado, que conviveu bem de perto com Solda, antes da galera deixar de besteira e ir cuidar da vida, lembra que ele era, “ao mesmo tempo, o cara do texto, o sujeito do desenho, o cara da música, o índio velho e a caboclada do teatro”.
Eloi Zaneti lembra o Solda frasista, capaz de genialidades como “o sonho acabou; mas ainda tem cuque” e confessa que nunca viu ninguém tão habilidoso no uso das duas mãos: “com a direita desenha cartuns fantásticos, com a esquerda escreve direito por linhas tortas” É também capaz de desenhar Deus como se fosse um velho amigo, “dessas figuras que a gente encontra nos bares por aí”.
Segundo Alberto Centurião, Solda é um sujeito “capaz de desenhar ao lado de Rogério Dias, Jaguar, Angeli, Ziraldo e Dante Mendonça, exercendo influência e conquistando respeito entre eles”. Assim como “escrever peças de teatro ao lado de Oraci Gemba, Manoel Carlos Karam e Rogério Bonilha e dar espetáculo”. Ou criar campanhas publicitárias premiadas, ao lado de Paulo Vítola, Leminski, Ernani Buchmann, Miran, Sérgio Reis, Luiz Aurélio Alzamora, Desidério Pansera e Ricardo Corrêa. Mas é também capaz de “escrever textos de humor que o reportam ao Barão de Itararé, sua terra natal que nunca teve barão” E também “capaz de respirar no ar rarefeito do panteon poético habitado pelos irmãos Prado (Marcos e Roberto), Paulo Leminski, Antonio Thadeu Wojciechowski e outros vates da pós-modernidade brasileira made in Curitiba”.
Um dia, em pleno apogeu, Solda resolveu sair de cena. Qual um lutador cansado de tanta luta, de um tempo sujo de sujeira infinita e sem nenhuma graça, depôs os pincéis, fechou a máquina de escrever (os computadores ainda eram apenas monstros da ficção científica americana), afastou-se por completo do mundo e recolheu-se ao exílio no seu Bacacheri. Nenhuma escapadela, nem mesmo para bater o ponto no Bar e Petiscaria do Edmundo (Av. Erasto Gaertner, 1764), “um bar típico de periferia”, onde ele nunca “presenciou um arranca-rabo sequer, nenhum trancetê ameaçador, a não ser quando o Jaguar, numa noite temperada, espantou o Dante Mendonça para fora do estabelecimento, pondo fim a uma bebedeira colossal que só teve um final feliz graças à intervenção de duas ou três cervejas geladas e algumas porções de camarão-abraçadinho”.
Foram tempos de preocupação e dor. A família sofreu. Os amigos ficaram aflitos. Não sabiam o que fazer. Limitaram-se a rezar. Jamil, Alice, Rogério, Zanetti, Roberto, Centurião, Dante, Mirandinha, Wojciechowski, Maí, Alexandre, Ricardo, Rettamozo, Karam, João Osório, Guinski, Nireu, Sosséla, Márcio, Lígia, Denise, Dallagassa e Rose, Mozart, Beto, a gaúcha Nélida, as namoradinhas do prof. Thimpor: Ana, Beatriz, Clara Diana, Gilda, Hortência, Lúcia, Maria e Helena; toda a família Thimpor: Rutildo, Yuri, Toshiro, Leonor, Pepita, Romão, Eustáquio, Genoveva de Pôncio, Carmem, Herman Von, Totó e a comunista tia Gertrudes; os bêbados do Bar e Café Idade Média com Pão e Manteiga, o Zé do Bar e Petiscaria do Edmundo, o desaparecido Juarez, e especialmente Demi Moore. Dizem que até Jaime Lerner entrou no terço. O nosso Zé Beto também. Só não rezou o Walmor Marcellino, que não era dessas coisas, mas se preocupou pacas.
Pois as orações foram ouvidas. Solda ressuscitou. Depois de mais de 10 anos hibernando, ele se apresentou de novo na praça. Inteiro e brilhante como sempre.
A Imprensa Oficial do Estado, então sob a direção de Miguel Sanches Neto, incluiu o nosso Luiz Antonio Solda na Coleção Brasil Diferente, com dois volumes lançados e que já estão a requerer segundas edições: “Kamikase do Espanto” e “Almanaque do Professor Thimpor”. Ali, o leitor encontra boa parte da obra de Solda e compreende porque todo mundo lamentou tanto a ausência dele.
O sonho pode ter acabado, mas, além de cuque, tem ainda a genialidade do quituteiro.
Que bom que você voltou e está em plena atividade, velho guerreiro! Muitos méritos devem ser creditados à inabalável Vera, por supuesto.
Tive o privilégio de acompanhar a trajetória do Solda desde o teatro Margem quando começou namorar a Vera. Seu humor trivago (isso é para provocar o cara) levou-o às páginas da play boy e andávamos com as revistas que o publicavam procurando uma brecha para mostrar a charge e dizer ” É o Solda, amigo meu”.
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