Chico Fumaça, Marcolina e Totó, de Alceu Chichorro
por Célio Heitor Guimarães
Quando criou o seu Instituto da Memória, Euclydes Cardoso de Almeida, um dos maiores nomes da comunicação no Paraná, começou a colher histórias da gente paranaense. Uma delas referia-se a Alceu Chichorro, o maior chargista da imprensa paranaense.
Chichorro fora protagonista de um acontecimento antológico, narrado ao jornalista João Dedeus Freitas Neto. Em um baile no Clube Curitibano, ele dançava com uma jovem da sociedade local, quando, sem querer, pisou no pé da dama. Ela, muito irritada, desabafou a dor que sentiu: “Ô, seu cachorro!…”
Sem perder a linha, Alceu respondeu de bate pronto: “Cachorro, não. Chichorro, para lhe servir!”.
Ao reler essa passagem, mais de vinte anos depois do falecimento de Alceu Chichorro – ou Eloy de Montalvão, como ele costumava assinar-se –, o nosso Kid disse ter retornado aos anos 50, quando, ainda garoto, iniciava-se no rádio e, depois da aula, no velho Colégio Novo Ateneu, cruzava a Rua das Flores em direção à Barão do Rio Branco, onde se situava a Rádio Guairacá. Nesse trajeto diário, não raras vezes teve a oportunidade de encontrar com Alceu Chichorro, sempre em uma roda de amigos. O que mais lhe atraía nele, porém, não era a figura do chargista famoso, crítico da política e dos costumes, tão humorado quanto ferino, e sim uma certa tristeza que projetava dos olhos.
Algum tempo depois, quando passou a assinar uma coluna sobre música popular no jornal O Dia, Euclydes teve a oportunidade de conviver um pouco mais de perto com Chichorro, ainda em plena atividade. E lhe foi possível, então, confirmar aquela impressão inicial, colhida à distância: a par da doçura e da enorme simplicidade de Alceu Chichorro, havia uma aura de profunda tristeza em seu olhar. E durante todo aquele tempo o jovem não entendeu como uma pessoa tão triste era capaz de manter charges diárias de tão fino sabor e crônicas e poemas de tão requintada qualidade.
Só mais tarde Euclydes concluiu que Alceu Chichorro apenas seguia o seu destino, escrito nas estrelas antes de ele nascer. A avó paterna, Carolina Elói Oliva de Medeiros, era uma mulher a frente de seu tempo. Culta e devotada à leitura e ao estudo, foi pianista, jornalista e colaboradora de jornais cariocas. O pai, Joaquim Procópio Pinto Chichorro Júnior, também um brilhante intelectual, dedicou-se às letras e à música, como compositor e pianista, e foi professor no tradicional Ginásio Paranaense e fundador do Centro de Letras do Paraná.
Soube ainda de outras influências que marcariam o futuro de Alceu Chichorro. Seu irmão Joaquim cursou a Faculdade de Direito de São Paulo, mas sempre fez sucesso fazendo e escrevendo humor. Outro irmão, por acaso também chamado Euclides, era exímio violonista e talentoso caricaturista.
“Essa carga de talento e a sólida formação familiar haveriam de estender-se a Alceu, tornando-se fonte inesgotável de seu talento múltiplo, como jornalista, poeta, ilustrador, cronista e teatrólogo, mas, sobretudo, como chargista – registrou Euclydes, destacando: “Nesta última faceta, muito lhe valeram os ensinamentos de Alfredo Andersen, Augusto Cobbe e Augusto Huebel”.
Da trajetória de Alceu Chichorro, Kid anotou que, em 1913, ele foi contratado pelo jornal A Tribuna, como repórter e fotógrafo. Ali, iniciou a publicação dos seus primeiros versos e começou a dar mostras de sua veia humorística. Em seguida, transferiu-se para o Comércio do Paraná, Diário da Tarde e Gazeta do Povo, onde publicou seus “versos futuristas” e assinou as primeiras crônicas como Eloy de Montalvão. Algum tempo depois, mudou-se para O Dia, o tradicional matutino da Praça Generoso Marques, onde permaneceria por mais de trinta anos e onde a sua arte e o seu talento seriam definitivamente consagrados. Ali surgiria também a sua maior criação: o personagem Chico Fumaça, sempre acompanhado de Dona Marcolina e do cãozinho Totó.
Mas nem só de sucessos foi a trajetória de Alceu Chichorro pelos jornais – descobriria Euclydes: “Muitas vezes, a crítica feroz e a notável repercussão de suas charges provocaram a ira dos poderosos de plantão. Isso lhe valeu alguns processos, muita pressão e, após a revolução de 30, ele correu o risco a ser deportado para Minas Gerais, por um cartum sobre o custo de vida”.
“Em momento algum, porém, faltou-lhe o reconhecimento e o aplauso do público” – confirmou Euclydes: “Seu desenho, limpo e elegante, continham uma mensagem imediatamente compreendida pelo leitor, que via naquela manifestação satírica a expressão fiel do seu próprio pensamento, e sentia-se realizado através da pena de Chichorro”. O pesquisador inferiu que talvez ali estivesse o segredo e o prêmio maior do chargista: “saber decifrar a alma do povo, rindo e chorando com ele”. E arrematou: “Não por acaso, Helena Kolody, a nossa poeta-maior, dizia que ‘Rir, / às vezes, / é motivo altivo / de chorar’.”
Quanto àquele olhar de tristeza que tanto impressionara o jovem estudante do Novo Ateneu, Euclydes encontrou a explicação em uma confidência do próprio artista ao escritor e jornalista Wilson Boia:
“O humorista comumente é triste, desiludido e resignado. Olha o mundo de pernas para cima… Despe o sujeito mais encasacado que possa existir para mostrar aos seus semelhantes que a roupa não vale nada…”.
Alceu Chichorro nasceu em Curitiba, no dia 21 de junho de 1896, na Rua Aquidaban, atual Emiliano Perneta e faleceu em 30 de abril de 1977, aos 80 anos de idade. Mas continua sendo lembrado com saudade. E Euclydes Cardoso ajudou a preservar a sua história.
Alceu Chichorro, em quem eu me inspirei para criar Alceu Dispor.
Bela lembrança, Celio Guimarães.
Ave, Chichorro!