7:15O gênio que aterrorizou os EUA

por Célio Heitor Guimarães

Nessa fase de rememoração histórica que o acima assinado está vivendo, na semana passada relembramos a peripécia do produtor de rádio Romualdo Ousaluk, que, ao imitar o americano Orson Welles, no início dos anos 60, assustou Curitiba com a notícia da chegada dos marcianos à litorânea Paranaguá.

Hoje, vamos ao episódio original, ocorrido há 67 anos, na cidade de Nova York. Foi em 30 de outubro de 1938, às 20h, que o jovem Orson Welles, um roteirista quase desconhecido, passou a irradiar, pela Columbia Broadcasting System, uma suposta invasão da região pelos marcianos, inspirado na célebre novela de H. G. Wells, “A Guerra dos Mundos”.

Os ouvintes foram apanhados de surpresa e, quando se deram conta, estavam tomados pelo pavor. Inicialmente, foi anunciado pela emissora um concerto da orquestra de Ramon Raquello, diretamente do Meredian Room do Hotel Park Plaza. Minutos depois, verificou-se uma interrupção brusca da transmissão, que os cerca de 50 milhões de ouvintes da cadeia CBS (de costa a costa dos EUA) julgaram tratar-se de uma falha técnica. Foi quando a voz de um locutor não identificado se fez ouvir:

“A CBS interrompe o seu programa para anunciar que um meteoro de enormes proporções caiu em Grovers Hill, no Estado de Nova Jersey. Os ouvintes serão mantidos ao corrente”.

A música recomeçou. Mas, em seguida, houve nova interrupção, e o locutor entrevistou um especialista em astronomia sobre o ocorrido. Súbito, nova interrupção e a emissora passou a transmitir diretamente do local indicado. Primeiro, ouvem-se sons confusos e a descrição do meteoro, imóvel num imenso campo, iluminado pelos faróis de milhares de automóveis. De repente – a voz do repórter se tornou ofegante –, um enorme cilindro se abriu e dele saíram seres gigantescos, com enormes tentáculos, fazendo gelar a multidão. O locutor se mostra aterrorizado, tem a voz quase sufocada. Os estranhos seres dele se aproximam…

ORSON

Orson Welles nos estúdios da CBS

Um silêncio de morte pairou no ar. Milhares de ouvintes largaram o que faziam, com os corações aos pulos. Com voz pálida e titubeante, um outro locutor anuncia uma mensagem do comandante da Milícia Federal. Este declarava que uma grande batalha estava sendo travada com invasores marcianos, enquanto o governo de Washington proclamava a lei marcial. Ao fundo, ouve-se “Clair de Lune”, de Debussy.

São 20h25. Orson Welles está na Flórida e escuta a irradiação, cercado de amigos, bebendo uísque e pensando no quanto os Estados Unidos estariam se divertindo. Não sabia que, naquele exato momento, (1) veteranos da Guerra Mundial abotoavam seus uniformes para partir em defesa da pátria; (2) casernas de bombeiros, postos da polícia, redações de jornais e hospitais eram assaltados por turbas superexcitadas; (3) em Newmark, a cidade mais próxima do “campo de batalha”, 50 mil pessoas abandonavam suas casas; (4) nas igrejas orava-se fervorosamente; (5) no Harlem, negros presos de histeria saltavam pelas janelas; (6) em Pittsburg, ocorriam suicídios, em Minneapolis, motins; (7) em Long Beach, em Salt-Lake City e praticamente em todos os EUA, propagava-se a notícia de que Nova Yorque sucumbira e milhões de seres humanos preparavam-se para a hora da morte.

Às 20h31, o secretário de Estado declarava não poder dissimular a gravidade da situação: cada americano devia estar preparado para sacrificar a própria vida. E um excitado locutor passou a descrever o avanço dos marcianos sobre Nova York.

Nesse momento, a CBS se dá conta da tragédia que provocara, mas constata que qualquer comunicado não seria mais ouvido. Por outro lado, faltavam apenas três minutos para o encerramento do programa. A voz que transmite a invasão dos extraterrestres nas ruas da Big Aple já é de além-túmulo. Nuvens de gás espraiavam-se por Nova York, cessando a resistência humana e o próprio locutor, com os pulmões atacados, vascila e tomba sobre o microfone. Silêncio. Ouve-se, ao longe, o apito de um navio que tenta escapar com refugiados. O rádio de bordo faz um desesperado apelo, que termina assim: “Ninguém escuta? 2×2 a CQ. Ninguém escuta?”…

Na Flórida, Orson Welles ri, mas a América do Norte toda chora angustiada. Em Washington, uma mulher se suicida. Após cinco minutos de silêncio, a voz de um locutor anuncia:

“Acabamos de ouvir a primeira parte de uma radiofonização de Orson Welles baseada na ‘Guerra dos Mundos’, de H. G. Wells…”

O after day: Orson Welles foi processado por vários ouvintes e suspenso por longo tempo de suas atividades radiofônicas, enquanto que a CBS, além de processada, passou a ser “vigiada”, com a obrigação de submeter à censura prévia toda a sua programação.

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