por Ivan Schmidt
Antes de qualquer coisa é preciso dizer que o governador Beto Richa, herdeiro de um dos sobrenomes mais ilustres e reverenciados da política paranaense, enxovalhou a memória e o legado deixados por seu pai, homem profundamente apegado ao diálogo e à concórdia.
Também pudera. No exercício do governo, Richa teve entre os conselheiros mais próximos gente da formação moral e política de Euclides Scalco, Oto Bracarense, Horácio Racanello e Antenor Bonfim, entre tantos outros. A propósito, quais são mesmo os conselheiros políticos do atual governador?
Sem querer, querendo… um dos filhos de José, justo aquele conduzido pelos deuses que se ocupam da política (ou seria a conjuntura?) ao governo do Estado, trinta anos depois do pai, o que não deixa de ser um feito meritório, acaba de contrair uma dívida impagável com a população.
A fumaça ácida das bombas de gás lacrimogêneo, os tiros com balas de borracha, os cães adestrados para tirar lascas de pretensos “inimigos”, os cassetetes (a ordem é dar por baixo) – enfim – as duas centenas de feridos na batalha do Centro Cívico dificilmente serão apagados da folha corrida de sua excelência (e da consciência dos libertários), naquele que foi o dia mais abjeto de todos quantos foram vividos no primeiro planalto, desde a ancestral vilinha plantada às margens do Atuba.
O que ninguém nega é que a polícia bateu em professores, por acaso, a única categoria de servidores públicos que se movimenta seguindo rígidos princípios de organização, embora tenha cedido ao aparelhamento político imposto pelas lideranças, partidos e centrais sindicais.
Com certeza, as táticas e formas de protesto ou confronto foram assimiladas pelos dirigentes da APP Sindicato nos contatos que se amiudaram com os líderes das citadas entidades. O poder de arregimentação da APP Sindicato se mede pelo fato de que poucas horas são necessárias para o deslocamento de dezenas de ônibus que partem dos mais distantes municípios, apinhados de professores que trazem na ponta da língua as palavras de ordem para diferentes tipos de manifestação.
A comparação é cruel, mas foram os presos políticos do golpe militar de 1964, sobretudo no presídio da Ilha Grande (RJ), que instruíram presos comuns nos princípios de organização para a luta, propiciando mais tarde o surgimento do Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC), braços armados do crime organizado.
Com efeito, as imagens que o governador fez das tripas coração para descartar (a polícia estava parada, a polícia não bateu, a polícia se defendeu da agressividade de agentes provocadores, as bombas e os tiros foram a resposta policial à violência dos mestres), horas depois foram reconhecidas na crueza de sua autenticidade pelo próprio governador, o secretário da Segurança Pública e oficiais da Polícia Militar, e até pela refinada clientela das biroscas da Vila Fuck…
O repúdio da sociedade foi imediato e as notícias do massacre se espalharam pelo Brasil e o mundo. O governador que em circunstâncias normais jamais teria o nome estampado em jornais da Europa e Estados Unidos, de repente virou notícia internacional, pena que por um motivo que costuma vir associado ao modus operandi de ditadores fascistas.
Como esse livro triste ainda tem muitas páginas a virar, um dos desdobramentos naturais foi o pedido de dispensa do secretário Fernando Xavier (Educação), a rigor uma escolha equivocada do governador, pois esse executivo esteve décadas envolvido com o setor de telecomunicações, sem que nada transpirasse sobre sua extemporânea vocação para as lides educacionais.
Menos desprendido foi o secretário Fernando Francischinini (Segurança), que segundo a imprensa teria feito um apelo candente ao governador Beto Richa quanto à opção já tomada de sua (do secretário) exoneração. A informação é que Richa cancelou (mas não arquivou) a decisão diante da jeremiada do auxiliar, cuja maior razão seria o abalo sentido por sua carreira política com o afastamento sem honra quatro meses depois da aclamação como o Eliot Ness das Araucárias.
O complicador que ninguém esperava veio na forma da carta assinada pelo coronel Kogut, comandante geral da Polícia Militar (assinaram também 16 dos 19 coroneis da PM), encaminhada ao governador imediatamente após o “fico” do secretário, constituindo uma espécie de arranhão ao código militar que veda mesmo aos oficiais a faculdade de se dirigir às autoridades superiores para manifestar quaisquer discordâncias na gestão.
Sobre o assunto o Palácio Iguaçu manteve silêncio sepulcral até o final da tarde dessa quinta-feira (7), acuado ao limite do tolerável em função da convivência (?) do secretário da Segurança e um comandante da PM insubordinado. Sem contar o grande número de oficiais em postos de comando que, por dever de ofício, são leais e devedores de obediência a seu superior, um postulado que não admite a menor ruptura.
Richa pai, afligido no início do mandato por uma questão pessoal entre os secretários Erasmo Garanhão (Fazenda) e Belmiro Valverde (Planejamento), imbróglio altamente prejudicial ao governo, escancarado ao público pela TV que transmitiu ao vivo sessões da Assembleia Legislativa, muito a contragosto exonerou os dois.
O Richa de hoje e seus cuecas de seda vivem em outro mundo…
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No começo da noite de quinta (7) o coronel César Kogut apresentou ao governador seu pedido de exoneração… Eliot continua se fingindo de morto…
Beto Richa & Fernando Francischini. Mas pode chamar de Irmãos Coragem.
Mais uma vez o Ivan Schmidt faz uma excelente análise, retratando de maneira simples e clara a triste realidade pela qual o Paraná vem passando e a carência cada vez maior de bons agentes políticos…
Artigos da autoria do Ivan Schmidt e do Célio Heitor Guimarães, bem como do “Ge Moustaki” abrilhantam e enriquecem ainda mais este blog.
Parabéns, Zé Beto.