Adolfo Aizen
por Célio Heitor Guimarães
Foi ele que trouxe os heróis e os super-heróis de papel para o Brasil. Flash Gordon, Fantasma Voador, Mandrake, Tarzan, Super-Homem, Batman, Zorro (The Lone Ranger), Homem-Aranha, Homem de Ferro, Demolidor, Mickey, Pato Donald, Coelho Pernalonga… e vários outros ilustres personagens dos quadrinhos aqui chegaram pelas mãos do editor que lhes deu fama e prestígio.
Estive uma única vez com Adolfo Aizen na sua Editora Brasil-América Ltda., “O Reino Encantado das Histórias-em-Quadrinhos”, como a denominavam milhares de leitores em todo o país. Era um gentleman, até com um obscuro paranaense que ousou visitá-lo, sem aviso, em São Cristovão, no Rio de Janeiro, na mitológica EBAL, ao lado do estádio de futebol do Vasco da Gama. Levou-me a conhecer – juntamente com o então estagiário Otacílio Costa d’Assunção Barros, hoje Ota, cartunista e editor – toda a sua casa-editora em pleno vapor, incluindo o departamento de arte, montagem e acabamento, os arquivos e as oficinas. Apresentou-me a seus dois filhos, Paulo Adolfo e Naumin, que o auxiliavam no trabalho. Também nos correspondemos durante algum tempo e dele apenas recebi atenção e cordialidade.
Se vivo fosse, Adolfo Aizen teria completado, no último dia 10, 99 anos. Era um jornalista baiano (de Juazeiro) – na verdade, viera bebê da Ucrânia –, radicado no Rio de Janeiro, com uma visão extraordinária e o espírito empreendedor dos grandes homens. Fez muito pela cultura nacional, não apenas por haver povoado a imaginação infantil de gerações de brasileiros, mas, sobretudo, por haver levado ensinamento aos jovens, incentivando o aprendizado da nossa história, tradição, arte e literatura, e semeado o conhecimento em centenas de publicações, por mais de meio século.
Em 1933, Aizen era o redator-chefe de O Malho e de O Tico-Tico. A convite do Comitê de Imprensa do Touring Club do Brasil, viajou aos Estados Unidos. Ali, visitou as redações dos principais jornais. No Daily News, do Grupo Hearst, conheceu o King Features Syndicate, o maior distribuidor de tiras em quadrinhos do mundo e ficou encantado com a novidade. Segundo suas próprias palavras:
– Chegando lá, encontrei Flash Gordon em grande forma e logo me ocorreu a ideia de publicar as suas histórias no Brasil. De volta, procurei o Luís Peixoto e lhe pedi para que me levasse ao João Alberto, dono do jornal A Nação.
Resultado: em 14 de março de 1934, A Nação trouxe encartado um Suplemento Infantil, editado pelo Grande Consórcio de Suplementos Nacionais. Já o primeiro número estampou capa de J. Carlos (José Carlos de Brito e Cunha, 1884-1950), que viria a ser o maior ilustrador da América Latina. Na última página, Os Exploradores da Atlântida ou As Aventuras de Roberto Sorocaba, de A. Monteiro Filho, considerada a primeira HQ brasileira com a técnica então usada nos EUA.
A Editora Brasil-America Ltda. nasceu em maio de 1945, em meio à euforia geral pelo término da guerra. Sediava-se, então, no centro do Rio, na Av. Rio Branco. Seleções Coloridas, impressa na Argentina, com os personagens de Disney, foi a primeira publicação. Dois anos depois, Aizen lançou a primeira revista brasileira com aventuras completas: O Herói, impressa em rotogravura na Imprensa Nacional. Em seguida, vieram Superman, Idílio, Edição Maravilhosa e Epopeia.
A essa altura, a EBAL já contava com sede e oficinas próprias, no bairro de São Cristóvão. E novos lançamentos foram se sucedendo: Aí, Mocinho!, Tarzan, Mindinho, Reis do Faroeste, Quem Foi? Zorro, Super X, Pequenina, Batman, Ciência em Quadrinhos, Série Sagrada, Roy Rogers, Popeye, Pinduca, Cinemin…
Houve meses em que a Brasil-América chegou a colocar no mercado cinquenta revistas diferentes, com tiragens de mais de 100 mil exemplares.
Mas Aizen não se dedicou apenas aos super-heróis e a mocinhos importados. Ele foi o responsável pela quadrinização dos maiores clássicos da literatura brasileira; foi quem primeiro editou a Bíblia, a História do Brasil, e a vida de grandes vultos em quadrinhos; e foi ele quem descobriu e projetou jovens artistas e abriu a picada para a vitoriosa caminhada das HQs nacionais.
Aizen faleceu a 10 de maio de 1991, um mês antes de completar 84 anos. E embora tenha sido agraciado com inúmeros troféus, entre os quais o Prêmio Yellow Kid – Uma Vida Dedicada aos Quadrinhos (Lucca, Itália, 1975), ainda está por receber a devida homenagem.
O Brasil deve muito a Adolfo Aizen e não pode se esquecer disso.
Histórias Maravilhosas e Epopéia levaram-me a ler os livros em que se baseavam os quadrinhos. Meu pai as comprava eu lia “em uma sentada”.
Ainda bem que temos gente como o Célio Heitor Guimarães para resgatar nomes (que merecem) e feitos do passado. A imprensa de hoje não tem memória; ou melhor, os mais jovens parecem não fazer questão de conhecer a história, o ontem, que também importa. Parabéns, Célio. Um grande abraço.
Boa Zaruch ! Os mais jovens não tem culpa. Isso é o resultado crescente de uma ignorância que o governo com suas politicas de educação fez nesses 15 anos. Pois, preocupou-se em fazer a cabeça das crianças com uma ideologia conveniente de um partido, no caso o PT. Diga-se de passagem que nos mesmos níveis de seu líder maior.
1. Você quis dizer “Edições Maravilhosas”, caro Estatística. Eu também passei dos clássicos em quadrinhos para os livros. Prova que os gibis nunca afastaram a garotada da leitura. Aliás, você há de lembrar que, ao final de cada edição, o velho Aizen fazia questão de deixar um recado para o leitor: “Se você gostou, procure ler o próprio livro, adquirindo-o em qualquer livraria. E organize a sua biblioteca – que uma boa biblioteca é sinal de cultura e bom gosto”.
2. Grande Zaruch! Grato pelo elogio. Você só não disse que foi o meu editor no Almanaque, de “O Estado do Paraná”, quando eu lá cometi os meus primeiros escritos sobre quadrinhos. Tempos saudosos! Mas conforme-se: logo ninguém mais se lembrará da gente. Pouco importa: o que fizemos ficou feito. Outro abraço para você, fiel seguidor do nosso ZB.
Eu comprava os gibís da EBAL, todos, na banca da dona Severina, lá na minha Santa Isabel do Ivai. Escondi-as da minha mãe, no forro da nossa casa-pensão Nossa Senhora da Conceição. Ela descobriu, pediu pro Carioca – empregado nosso e meu cúmplice, subir no forro e jogar “todas aquelas porcarias prá baixo”. Fez enorme montanha e nela ateou fogo.
Hoje, com aquele patrimônio estaria ganhando rico dinheirinho na Feira do Largo da Ordem. Carioca, preto alto, forte, escalado prá rachar lenha lenha prá cozinha da pensão, me abraçou meio chorando e soluçando, me disse: “Não sobrou nem os do Tarzã!”
Célio me fez voltar 63 anos idos.