Rogério Distéfano
OFENDER, injuriar, tentar agredir Letícia Sabatella faz lembrar o episódio de Charles Talleyrand, a maior raposa da história política francesa. Ele maquinou com Napoleão Bonaparte o fuzilamento do Duque de Enghien; receavam que o duque restaurasse a monarquia Bourbon, atingindo o iniciante império napoleônico. O duque era inocente, tão inocente que não fugiu da França durante a Revolução. Arrependido, mais tarde Talleyrand, fez mea culpa sobre a morte do duque: “Mais que um crime, foi um erro”.
Como trouxemos França, política e Letícia Sabatella, tem mais um episódio interessante sobre a França e a atitude diante da divergência política. Na presidência do general De Gaulle, a França enfrentou a agitação estudantil de 1968, que paralisou Paris, com protestos e depredações. Desse lado estava o filósofo Jean Paul Sartre, ativo na agitação.
Alguém sugeriu a De Gaulle que Sartre fosse preso; mesmo Sartre pediu isonomia, que fosse também preso, já que o governo prendia seus companheiros. O general rejeitou a proposta dizendo “não se pode prender Voltaire”. Naquele momento Sartre tinha para a França a mesma importância de Voltaire no século 18, ambos símbolos da civilização francesa.
Agredir Letícia não foi só um crime. Também foi um erro. Mesmo que se discorde de seu lado político, mesmo considerando antibrasileira a visita que fez ao Papa para reclamar do ‘golpe’, Letícia tem direito de ser quem é, na arte e na política.
Guardadas as diferenças entre personagens e eventos, não se pode ofender, atacar Letícia. Ainda que estejamos na política oposta, ela é símbolo – da arte, do Brasil, e, acima de tudo, de Curitiba. Se Letícia é símbolo, seu símbolo nos ensina: não se pode atacar ninguém em nome de divergências, sejam quais forem.
Aos envolvidos recomendo a (re)leitura de ” O Arquipélago Gulag”, escrito por Alexander Solzhenitsyn e como penitencia copiar 50 vezes o trecho onde o autor atribui a maldade dos homens à ideologia, como mostra o que segue:
“Ideologia é aquilo que dá ao malefício a justificativa tão procurada e ao malfeitor a determinação e a sustentação necessárias. É esta a teoria social que ajuda a fazer com que os seus atos pareçam bons ao invés de maus, aos seus próprios olhos e aos olhos dos outros, de forma que ele não ouvirá repreensões e maldições mas receberá elogios e honrarias. Foi assim que os agentes da Inquisição fortificaram as suas vontades: invocando a Cristianismo; os conquistadores de terras estrangeiras, louvando a grandeza da Pátria Mãe; os colonizadores, a civilização; os Nazistas, a raça; e os Jacobinos (do início e do fim), a igualdade, a irmandade, e a felicidade das gerações futuras. Foi graças à ideologia que o século vinte foi fadado a experimentar malefícios numa escala calculada em milhões. Isso não pode ser negado, ignorado ou suprimido. Como é então que nós nos atrevemos a insistir que os malfeitores não existem? E quem foi que destruiu esses milhões de pessoas? Sem malfeitores não teria existido o Arquipélago.”