7:03Intelectuais de Curitiba

por Ivan Schmidt

Por onde trafegam os intelectuais curitibanos? Ou a pergunta faria melhor sentido se modificada para existem, realmente, intelectuais curitibanos? Esclareço que essa especulação me veio à mente há anos ao ler num ensaio do filósofo francês Bernard-Henry Levy, figura ao mesmo tempo elogiada e execrada, uma frase que passei a considerar emblemática: “Acredito que a presença de intelectuais numa cidade moderna é uma chave da democracia”.

A referência de BHL eram os intelectuais franceses do pós-guerra, grosso modo divididos entre esquerda e direita, colaboracionistas ou adoradores do stalinismo recém-instalado em extenso território dominado pelo regime soviético.

Nos anos 20 e 30 do século passado, como em qualquer outra cidade culta e democrática (perspicaz a observação do filósofo), havia alguns pontos de encontro dos intelectuais. Em Buenos Aires, de quem sempre ouvi dizer ter mais livrarias que o Brasil inteiro, a fina flor da cultura se reunia no famoso café Richmond, na calle Florida. Lá podiam ser vistos e ouvidos Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares, Silvina Ocampo, Cansinos-Assens, Xul Solar e estreantes como Julio Cortázar, entre tantos outros intelectuais e artistas que faziam da vida literária portenha uma autêntica festa.

A tradição fora herdada de Macedonio Fernández, que por muitos anos animara um encontro semanal de intelectuais num café da zona leste de Buenos Aires, no qual as conversas varavam as madrugadas.

Naquele tempo, Curitiba já era uma cidade moderna para os padrões da época (penso que também democrática) e, decerto tinha lá sua intelectualidade que se encontrava, amiúde, em local apropriado para a boa conversa sem compromisso. É provável que em algum café ou restaurante, embora a descoberta do nome e endereço do dito local demande alguma pesquisa mais elaborada que o escriba, por preguiça e acomodação, repassa a algum espírito mais seduzido pelos tesouros do tempo.

Listar os intelectuais daquela época talvez não seja tarefa difícil diante do bom número de personalidades que se destacam pelo saber, a exemplo de Bento Munhoz da Rocha Neto, Temístocles Linhares, De Plácido e Silva, David Carneiro, Reinhardt Maack e João José Bigarella, para citar uns poucos.

Nos anos 80, esse panorama já havia mudado radicalmente e também seus protagonistas e, dentre os locais preferidos pelos intelectuais pintaram alguns que se tornaram ícones curitibanos como a Confeitaria das Famílias, o Bar Cometa e, mais tarde, o Bife Sujo. Não tenho, contudo, informações seguras sobre se os intelectuais eram atraídos para os mesmos pontos, ou já naquele tempo se dividiam em indefectíveis panelinhas. Devo acrescentar a esse grupo também o pessoal do teatro e da música popular, dentre os quais pontificavam Maurício Távora, Sale Wollokita, Oraci Gemba, José Maria Santos, Lala Schneider, Yara Pedrosa, Lota Moncada, Denise Stoklos e, presumo, o sambista Lápis, que se não tivesse morrido tão jovem teria alcançado sucesso nacional.

Do lado dos intelectuais empregados nos jornais, aproveitando para citar outra conclusão cerebral de BHL (o trabalho jornalístico, forma mais acabada da atividade intelectual), em agências de publicidade e até no cinema, numa vertente paralela à literatura, não se pode esquecer Walmor Marcelino, Jamil Snege, Paulo Leminski, Paulo Vitola, Oscar Milton Volpini, Manuel Carlos Karam, Wilson Rio Apa, incluindo o aclamado cineasta Silvio Back.

Meu testemunho pessoal não poderia faltar nessa crônica, sobretudo pelo grande número de profissionais do jornalismo com quem convivi (e aprendi) em redações ou assessorias de imprensa, tais como Mussa José Assis (que me deu o primeiro emprego em Curitiba), Renato Schaitza, Adherbal Fortes de Sá Neto, Francisco Camargo, Walter Schmidt e Celso Nascimento.

Repito a pergunta inicial e concluo que mesmo sendo difícil localizar um intelectual curitibano, eles existem. No campo do romance (ao menos) estamos representados de forma excelente por Cristóvão Tezza (nascido em Lages, SC, mas curitibano por opção) e o falecido Wilson Bueno, publicados por editoras de grande expressão no mercado livreiro. O mesmo ocorre com Domingos Pelegrini (Londrina) e Miguel Sanches Neto (Ponta Grossa), os escritores paranaenses com visibilidade nacional.

Tezza tornou-se um dos romancistas mais premiados e requisitados do país, com pelo menos uma obra (O filho eterno) já traduzida para o francês.

A velha guarda (com todo o respeito) ainda está atuante entre nós e os exemplos de Dalton Trevisan (o mais celebrado dos autores paranaenses e figura internacional) e João Manuel Simões são os que imediatamente brotam na memória. Infelizmente perdemos Noel Nascimento, mas ainda podemos contar com as recentes contribuições de Milton Ivan Heller no campo da historiografia.

Temos o compromisso de ler o que esses intelectuais escreveram, pois só então poderemos avaliar a profundidade de seu legado e, se foram capazes de transmitir pelo dom da escrita em prosa, verso, crítica ou ensaio, a visão universalista que também floresce na aldeia.

Comecei e concluo com Bernard-Henry Levy (um dos muitos secretários de Jean-Paul Sartre) para quem o legítimo intelectual não tem cheiro e nem cor: “Se lhe perguntam de onde é, de onde vem e ao que, exatamente, pertence, ele é aquele que muitas vezes, terá a tentação de responder no tom de Saint-John Perse diante do oficial de imigração americano que lhe rogou em 1940, declarar seu sobrenome, nome, domicílio e qualificação: habito meu nome, sou de minha língua, não tenho outra verdadeira pátria a não ser a de minhas idéias e só me reencontro verdadeiramente nas famílias de espírito que escolhi”.

11 ideias sobre “Intelectuais de Curitiba

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  2. Nilson Monteiro

    Ivan, desculpe eu colocar minha colher vermelha (ou pé vermelho, se preferir) em sua crônica: habitam Londrina, com textos traduzidos inclusive para japonês, além dos mais comuns castelhano e inglês – os ótimos escritores Rodrigo Garcia Lopes e Ademir Assunção. Em Curitiba, é preciso lembrar, entre outros, de Roberto Gomes e Luci Collin.

  3. Sergio Silvestre

    Ivan,eu não tenho remorso nenhum em falar onde estão os intelectuais que sobraram,metade deles se desencantaram da outra metade que se alinharam com o canto da sereia do terceiro andar do Palácio Iguaçu.
    Outros começaram a escrever contos fantásticos da terra vermelha e dos barões do Café e hoje escrevem discursos para o Beto Richa recitar em velórios.
    É só ler o que escrevia o Paulo Briguet,José Pedriali e o Nilson Monteiro,para sentir que o romantismo acabou e que agora é salve-se quem puder.
    O Nelsinho resiste,mas não sei até quando.

  4. Ivan Schmidt

    Caro Nilson, obrigado pela lembrança desses nomes importantes da cultura paranaense. Aproveito para incluir o seu próprio, apesar da má vontade do Sérgio Silvestre…

  5. Ivan Schmidt

    Em tempo: omitir o Roberto Gomes foi um erro clamoroso de minha parte. E, ainda, poderia acrescentar outro cobra atualmente morando aqui, o carioca José Castelo… À lista dos intelectuais da metade do século passado, também seria obrigatória a citação de José Paulo Paes, um dos maiores literatos do país, que morou uns anos em Curitiba. Parece que foi Machado de Assis quem escreveu que a memória é um beco escuro e, por isso, é perigoso confiar totalmente nela…

  6. Sergio Silvestre

    Bajulações a parte eu só quis ser verdadeiro e aquele que dizer que eu estou errado que atire a primeira pedra.

  7. Zé Beto Autor do post

    ô, silvestre, não precisa se desculpar. todos sabemos que o único intelectual paranaense que você considera e respeita é o roberto requião. hihihihihihihihi

  8. Sergio Silvestre

    Pode até não ser intelectual,mas já no alto dos seus 74 anos,não mudou sua ideologia e segue seus princípios combativos,talvez por isso ele é execrado pela imprensa e pelo judiciário e os políticos nativos e málacos.
    Ai vão dizer aqueles papos de sempre da sua aposentadoria ,viagens etc,74 anos meu caro,uma vida publica de mais de 40,tem vereador de cidadezinha que tem patrimônio maior que o dele,tem mais e que requerer suas aposentadorias e curtir a vida mesmo.Eu ja teria me aposentado e essa hora estaria numa ilha dos mares do sul com duas dançarinas me abanando do calor.

  9. leandro

    O Silvestre tá na bronca porque ele esperava estar na lista dos intelectuais. Como sequer foi lembrado mete o cacete nos outros.
    Quanto Requião Zé Beto , sem comentários, o velhote tá feio no filme.
    No caso do Silvestre imaginar ter duas dançarinas “abanando” do calor, com certeza elas irão fpasar raiva pois só vão abanar o quê? Um gato de armazém.

  10. Sergio Silvestre

    Leandro,se voce frequentasse o Barzinho do Portuga por quase 4 décadas,onde foi que o mdb nasceu ,com Otassio Pereira,Osvaldo Macedo,José Tavares,Jose Richa,Antonio Belinati,Alvaro dias e um monte deles,inclusive alguns ainda com pendencias com o Portuga,chiquitinhas sem fundos.
    Vai contando ai os encostos que vieram depois,Zé Pedriali,Paulo Briguet,e mais uma turma já na era PT em Londrina.
    Vivo no meio deles,moro ali e hoje papeamos com grandes não digo intelectuais,mais bagres velhos como Naym Libos,Hamilton Nassif e outros formadores de opinião e como vou ser alguma coisa Leandro,sem nem escrever aprendi ainda.

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