por Célio Heitor Guimarães
Já lhes falei de André Diniz, um carioca criado em Santa Tereza e uma das melhores revelações dos quadrinhos nacionais nos últimos tempos. Tem estilo próprio, ainda que influenciado por Flávio Colin, um dos maiores nomes dos gibis brasileiros, e sabe como poucos conduzir a sua mensagem. Juntos, fizeram “Fawcett”. Mas André conseguiu dar à sua arte características pessoais marcantes, únicas no universo nacional (e quiçá internacional).
É igualmente nítida a preferência de Diniz pela cultura afro-brasileira e a opção pelo traço artístico africano: “A História do Homem mais Velho do Mundo” (Galera, 2008), “Chico Rei” (Franco Editora, 2009), “A Cachoeira de Paulo Afonso” (adaptado do poema de Castro Alves – Editora Pallas, 2011), “Morro da Favela” (Leya/Barba Negra, 2011), “O Negrinho do Pastoreio” (Ygarapé, 2012) e “Mwindo” (Galera, 2012).
Em 2016, André Diniz resolveu romper as fronteiras do Brasil. Mudou-se com tintas e pincéis para Portugal. Não demorou muito para que um de seus mais aplaudidos trabalhos, “Morro de Favela”, fosse publicado também em Portugal, Inglaterra e França. Em seguida, a edição chegou à Polônia, através da editora Wydawnictwo Mendioca, com o título de “Favela W Dadzre” e uma novidade: um acréscimo de 12 páginas na história do fotógrafo Maurício Hora, morador do Morro da Providência, a partir do final da edição original.
Em 2017, André concluiu a adaptação do romance “O Idiota”, do escritor russo Fiódor Dostoiévski, publicado em 1869. Lançada em Portugal, a versão quadrinizada chegou ao Brasil pela Quadrinhos na Cia, selo editorial dedicado aos gibis da Companhia das Letras. Um trabalho em preto e branco, com um mínimo de palavras, que procura manter o máximo de fidelidade aos abismos interiores e os horrores metafísicos de Dostoiévski, mas ao estilo Diniz.
Agora, o ótimo André está lançando novo trabalho: “Entre Cegos e Invisíveis” (128 páginas, R$ 42), em pré-venda na loja da editora Café Especial.
A ação se passa no Brasil de 1971, tendo a ditadura militar como pano de fundo. O herói morreu. O funeral esteve apinhado de gente, pessoas que foram prestar a última homenagem ao falecido, general Gilberto Couto. Entre os presentes, no entanto, estavam Jonas e Leona, que o militar nunca reconheceu publicamente como filhos, já que eram uma nódoa no seu passado impoluto.
A história é contada pela perspectiva desses filhos, que cresceram sem a presença do pai e começa no regresso do funeral. Como ilegítimos, eles são ignorados pelos familiares e amigos do grande herói. Afinal, a moral ali se baseia nas aparências tradicionais da família.
Mas é época da super-lua e Jonas e Leona são atraídos pelo fenômeno. Junto deles estão a mulher de Jonas e um estrangeiro, de quem não se entende uma palavra sequer. Aí ocorre um incidente, após o que, a verdade de cada um vai se revelando e novas feridas são abertas. Em destaque, o abandono, dores e rancores.
Anteriormente, André Diniz já havia tocado no tema da ditadura militar brasileira, na série “Subversivos”, datada de 1999.
“Entre cegos e invisíveis” foi lançado originalmente em maio deste ano pela portuguesa Editora Polvo, durante o 15º Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja. No Brasil, editada pelo selo da Café Especial, a obra fará parte do evento Butantã Gibi Com, marcado para domingo 1º de dezembro, das 09 às 20h, na Casa de Cultura de Butantã, na capital paulista.
Para quem não sabe, a ideia do Butantã Gibicon partiu do colecionador de quadrinhos Sandro Merg Vaz, com o propósito de apoiar projetos de financiamento coletivo e estimular a produção e o desenvolvimento de novos talentos artísticos nacionais. O objetivo de Sandro, sem fins lucrativos, é atrair pessoas para espaços públicos de cultura, fora dos circuitos tradicionais da cidade de São Paulo.