Nunca entendeu o que queria dizer “hoje eu quero me acabar”. Não sabia se tinham lhe falado ou se era letra de uma música do passado. Nunca tinha se acabado. Nem de furrupa, nem do pior jeito. O máximo de prazer que sentia, não de se acabar, era jogar dominó com uns idosos como ele na mercearia da esquina. Uma vez por semana. Se acabar com o Chocomilk que tomava não deveria ser o que sempre lembrava. Rezou como nunca no seminário, para onde foi e manteve a abstinência sexual por todo o resto da vida. Saiu de lá porque um dia viu um padre de batina toda preta – e pensou num saiote de balzaquiana. Achou que era pecado. Herdou alguns imóveis dos pais. Vivia do aluguel que rendiam. Não tinha televisão, nem rádio. Não lia jornais. Comia o suficiente para não engordar nem 100 gramas. Tomava banho uma vez por semana. Seria a água quentinha a razão para se acabar? Um dia resolveu não mais se levantar da velha poltrona de couro empoeirada. Ficou olhando para o nada, como se esperasse uma aparição que lhe explicasse a grande dúvida. Acabou.